O canto da Raposa

Por Giovana Sallum Seno

Juliana ouviu o ruído breve da porta do carro se fechando atrás de si antes de olhar para frente e ver o estádio. Ela ainda não havia se dado conta da empreitada em que tinha se metido até aquele momento em particular.

Isso porque Juliana, que passara praticamente toda a sua vida se gabando por nunca assistir mais do que o necessário de futebol para socializar durante os anos de Copa do Mundo, estava prestes a se tornar uma das mais de 34 mil pessoas que se reuniram no Estádio Municipal Parque do Sabiá para assistir ao jogo de ida entre Cruzeiro e Atlético Mineiro; simplesmente uma das maiores rivalidades da história do futebol nacional.

Claro que Juliana não estava sozinha naquele dia. Afinal, fora ela que tanto insistira para acompanhar seu namorado – o verdadeiro torcedor ferrenho do Cruzeiro nessa história – neste passeio que, até então, era desconhecido por seus sentidos. Então, foi com inúmeros pensamentos eufóricos indo e vindo pela mente de Juliana que os dois alcançaram a fila que os levaria ao setor da arquibancada de onde assistiriam à famigerada partida.

Não demorou muito para que a garota começasse a escutar o burburinho dos torcedores se agrupando dentro do estádio. Quanto mais perto chegava da catraca que lhe concederia o acesso ao interior do local, mais altos e vibrantes os sons ficavam; de modo que o coração de Juliana começou a palpitar. Lá dentro, então, nem se falava: mesmo faltando algumas horas para que as arquibancadas realmente começassem a se encher, a energia que os grupos de torcedores trajados em azul emanavam com seus cânticos fez aparecer um sorriso de orelha a orelha no rosto da jovem leiga em futebol.

– Espere só até as organizadas chegarem. Você vai ver o que é torcer com paixão de verdade! – disse o namorado, claramente empolgado com a expressão que Juliana trazia na face. E ela esperava. Ah, como esperava.

Com o passar do tempo, que fora marcado por conversas fiadas e aquelas provocações de praxe que a torcida do time mandante destina aos adversários, finalmente fez-se escutar o som tão aguardado pelos alvicelestes e alvinegros presentes na plateia: o apito do juiz, que marcou o início da acirrada disputa entre os rivais.

A princípio, Juliana estava mais perdida do que as chaves de casa no fundo de sua bolsa: tudo era uma verdadeira confusão sonora, com os cânticos da torcida organizada vindo de um lado, xingamentos destinados ao time adversário – e, por que não, aos erros cometidos pelo time mandante – ecoando de outro, além das perguntas que a própria garota destinava ao namorado sobre o que significava cada lance importante da partida.

Calma, Juliana.

Respira.

Uma coisa que não te contam quando você vai a um estádio de futebol pela primeira vez é a necessidade de saber perceber seus sons aos poucos, para, então, conectar-se a eles. A pressa, naquele caso, era inimiga da apreciação da partida como um todo.

Então, Juliana escutou atentamente os versos que saíam apaixonados das bocas dos cruzeirenses, sintonizou as batidas de seu coração à percussão indomável que tomava conta do setor vizinho da arquibancada e, num piscar de olhos, entregou-se à ordenada confusão que era expressar seu amor pelo novo time de coração.

Quando se deu por si, a garota havia passado os 90 e poucos minutos do jogo cantando como uma cruzeirense nata, reclamando da arbitragem, sofrendo com tentativas falhas de gol e amaldiçoando até a última geração de atleticanos de uma forma completamente gratuita. Caramba, ela estava se divertindo demais! A maneira com que todos aqueles sons eram ao mesmo tempo diferentes entre si, mas iguais no sentimento a encantou de um jeito que nada havia provocado esse efeito nela antes, de modo que, quando ela menos esperava, o apito final do jogo soou e o juiz decretou o encerramento do duelo mineiro.

O resultado da partida? Infelizmente, 1 a 0 para o Galo. Foi um jogo movimentado, com várias chances despontando para ambos os lados e incontáveis cobranças de escanteio. Teve de tudo, inclusive dois impedimentos: um deles serviu para não falar que a Raposa saiu de campo sem marcar gols, e o outro não permitiu que o Atlético finalizasse a partida com um placar mais vantajoso. E como Juliana ficou, no final das contas? Chateada, é claro, mas não tanto quanto o namorado. Obviamente, faltou mais garra por parte dos alvicelestes para pelo menos empatar a partida…

No entanto, a derrota não mascarou o profundo significado que essa partida teve para todos os torcedores ali presentes. Juliana pôde enfim entender a sensação provocada pela energia pulsante que atrai tantas pessoas em um mesmo local para assistir a um jogo de futebol. Isso porque, convenhamos, nunca foi só sobre futebol: é sobre compartilhar uma paixão, momentos e sentimentos com uma família que transcende os laços consanguíneos.

Juliana com certeza voltará aos estádios mais vezes. Ela não sabe quando, nem em que circunstâncias, mas uma coisa é garantida: de agora em diante, seus ouvidos sempre estarão prontíssimos para escutar o belo e uníssono canto da Raposa.

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