Eles estão aqui.

Por Mateus Batista

Ele ouvia fortes batidas nas janelas. Sussurros que viram vozes que se tornam gritos. Escutava os barulhos da noite, mas ao mesmo tempo não ouvia nada. Não se sabe como, mas eles o encontraram. O homem precisa escapar, não há outra alternativa. Ele pegou sua carteira na cabeceira da cama e saiu em disparada pela porta dos fundos, com apenas um objetivo em mente: escapar deles.

É de madrugada. Os grilos e cigarras cantam, o vento bate forte em seu rosto e o zunido nos ouvidos é muito intenso, quase ocultando o som dos passos assustadores atrás dele. São muitos, são fortes, são ensurdecedores. O medo percorre pelas veias do homem e só há uma ideia em sua mente: fugir. Corre em disparada, buscando despistá-los.

O chão de terra batida do bairro logo é substituído por asfalto e calçada da cidade. Lojas estão fechadas, postes piscam com luzes fracas e não há sinal de nenhuma alma viva por aqui. Ele sentia a brisa do vento nas minhas costas e, pela primeira vez em algumas horas, talvez dias, pôde relaxar. Não ouvia mais os passos, e ele acreditou que conseguiu escapar.

Como ninguém da vizinhança acordou com o barulho? Será que eles querem pegá-lo? Qual o objetivo deles? O que querem comigo? Quem são eles? Enquanto ainda tentava recuperar as energias, um grito. “Achei ele!”. Uma descarga de adrenalina desceu, e o homem tornou a correr. Sua mente só gritava uma coisa: “Preciso fugir, preciso escapar, preciso de um local seguro, preciso ir embora.

Chegou em disparada no terminal. “Passagem, por favor. Para agora. O mais longe possível”. Ele disse entre uma ofegada e outra, buscando pelo ar que parecia escapar dos seus pulmões, da mesma forma que buscava escapar dos passos. Para a sorte dele, o ônibus já estava saindo. Enquanto colocou seu rosto na janela, ele decidiu olhar para o horizonte. O sol já mostrava seus primeiros raios, anunciando um novo dia para a cidade. O homem se pôs em oração, buscando uma alternativa.

“Me sinto péssimo”. Lá se vão quatro, cinco, seis dias de caminhada? Ele não sabe, já perdeu as contas. Precisou fugir. Precisou deixar sua família, sua casa, seus amigos e sua amada Sergipe para perambular como um andarilho do mundo. Sentia fome, sentia sede, sentia frio, sentia cansaço, sentia medo, sentia dor.

O barulho dos carros e buzinas na rodovia é ensurdecedor, mas não importa. Ao menos não ouvia mais os passos, as vozes, os gritos, os sussurros. De repente, uma voz. Uma policial alta, de voz firme e calma o chamou ao longe. Será que ela está com eles? Será que o encontraram novamente? Sentia fome, Sentia sede, sentia frio, sentia cansaço, sentia dor.

Ela se aproxima aos poucos com outra policial. Ouviu suas vozes e pedidos de calma e tranquilidade. São vozes firmes, mas que não amedrontam. Não são como as outras. Elas… Parecem mais reais? Parou de correr e enfim percebeu que as forças do seu corpo já se esgotaram há muito tempo. Sentia fome, sentia sede, sentia frio, sentia cansaço.

As policiais o questionam. “Não, não uso drogas, só o remédio da pressão alta”. “Sim, andando”. “Estava fugindo”. “Sou de Propriá, Sergipe”. “42 anos de idade”. Elas exclamam um suspiro e dizem seu nome, em um tom interrogativo. Um fio de desespero percorreu todo o seu corpo. Elas sabem quem ele é. Sentia medo.

“Viemos te ajudar. Sua família lá em Propriá está preocupada com o senhor”. Suspirou aliviado. Era a última coisa que planejava ouvir, mas escutar essa frase tirou qualquer angústia que o homem trazia em seu peito. Ele foi levado para o hospital e se sentiu como uma celebridade: os funcionários e enfermeiras sempre cumprimentavam e puxavam assunto, os médicos faziam mil perguntas e até jornalistas queriam visitá-lo.

Viu seu rosto na televisão e uma notícia inteira sobre ele. Esquizofrenia? Lembrou-se de ter ouvido essa palavra no médico uma vez ou outra, mas não recordava direito o que significava. Viu uma foto da família na televisão e uma lágrima escorreu do rosto. De repente, ouviu um som que o arrepiou por inteiro. Ele está aqui. 

“Não acredito que te achamos! Achei que tinha te perdido para sempre”. Lágrimas por todo lado enquanto ele o abraça forte. Seu irmão o encontrou. Ele grita tão alto que o hospital todo ouviu, talvez até o restante da minha família lá em Propriá pudesse escutar. O homem relaxou, desejando que esse grito tivesse viajado as mesmas centenas, talvez milhares de quilômetros que percorreu.

“Não sei exatamente como cheguei aqui, não sei que caminhos percorri, mas sei o que passei e sei para onde irei. Voltarei para minha casa, minha cidade, meu lar, e não terei mais que fugir de ninguém”.

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