Por Suianne Souza
É um sábado como qualquer outro, às 7h da manhã o céu já está claro e sem nuvens, o que promete um dia ensolarado. O movimento nas ruas cresce gradualmente, naquele ritmo de quem não quer levantar e não tem outra opção que não seja trabalhar. Ou seja, o momento perfeito em que tem movimento suficiente na rua para que eu não seja assaltada, mas não tão cheio a ponto de não conseguir andar na calçada sem ter que tomar cuidado para não esbarrar em ninguém. O momento perfeito para ir correr.
Correr as 7h da manhã significa que não vou precisar me preocupar com um cara passando de bicicleta e quase caindo de tanto virar o pescoço para olhar a minha bunda. Correr nesse horário significa um momento de paz, sozinha (ou quase). Pelo menos foi isso que achei que conseguiria dessa vez, mas nem sempre as coisas são como a gente acha que vão ser.
Os dois primeiros quilômetros foram tranquilos, o vento na cidade de Uberlândia que no geral costuma ser um desafio estava calmo, só uma leve brisa. O problema veio no terceiro quilômetro, o movimento na avenida principal estava aumentando e eu fui ficando cada vez mais desconfortável, pois a cada três carros que passavam por mim um era conduzido por um homem que fazia questão de virar a cabeça para me olhar.
Até esse momento eu ainda estava concentrada, ignorando todos esses inconvenientes. Mas em algum momento, em que eu já havia parado de contar, um senhor de uns 60 anos passou por mim de bicicleta e assobiou, ele assobiou e gritou algo que não entendi (e acho que não quero entender nunca). Esse gesto me deu uma repulsa tão grande que abandonei meu objetivo de chegar ao quinto quilômetro da corrida, dei meia volta e fui para casa sem pensar duas vezes.
Não é como se isso não houvesse acontecido quando saí outras vezes para correr, ou como se eu não estivesse acostumada a presenciar esse tipo de assédio na rua (o que é extremamente triste de se estar acostumada), mas naquele dia não consegui. Foi como se o som daquele assobio fizesse todos os pequenos gestos de assédio silenciosos dos outros homens se transformassem em gritos absurdamente altos na minha cabeça. [MA1] A verdade é que assobios, gritos, cantadas, locais frequentados por homens, horários em que fazemos determinadas atividades e os caminhos que tomamos são sempre pontos decisivos para nós mulheres escolhermos fazer ou deixar de fazer algo. Nós mudamos nosso jeito de vestir dependendo de onde vamos, trocamos o lado da calçada e criamos centenas de cenários em nossas cabeças, porque se acaso algo acontecer nós estaremos preparadas.
E mesmo assim a violência não para. Ela vem em pequenos atos como um olhar na rua. Ou com o silenciamento das nossas opiniões, como quando um homem interrompe uma mulher em uma reunião do trabalho. E ainda em ações completamente absurdas como um beijo forçado, como aconteceu com uma jogadora espanhola logo após sua vitória na Copa do Mundo.
A violência contra a mulher, o feminicídio e o assédio perseguem todas e a todos instantes. Que coisa! As mulheres são transformadas em apenas mais um número, outro caso. Pelo menos um terço das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de violência na vida é o que levantam órgãos como a OMS. Um assobio não é apenas uma melodia cantada, é o som de mais um caso de violência que aumenta os números de pesquisas.
Talvez eu não devesse ter ido embora. Talvez eu devesse ter terminado a minha corrida como um pequeno ato de rebelião, mostrar que eu posso estar nos locais que eu quero estar, sem ser amedrontada. O problema é que em alguns dias o barulho de um assobio é alto demais. Quem sabe na próxima.